Embora o governo Bolsonaro tenha aumentado nominalmente sua meta para 2030, uma mudança na linha de base permite que o Brasil emita mais do que sob sua primeira promessa de Paris

    O Brasil foi acusado de usar um truque de contabilidade de carbono para cobrir a ambição enfraquecida em seu plano climático atualizado apresentado à ONU na semana passada.

    De acordo com o plano, o Brasil se comprometeu a reduzir as emissões em 50% entre 2005 e 2030 – acima dos 43% anteriores. A meta de 37% de cortes de emissões até 2025 permanece.

    O documento descreve o plano como “um dos mais ambiciosos do mundo”. Mas uma revisão da linha de base de 2005 significa que o plano atualizado permite emissões mais altas em 2030 do que a primeira promessa do Brasil em Paris. A diferença equivale às emissões anuais da Colômbia, calcula o Instituto Talanoa.

    Isso “é contra o espírito do Acordo de Paris”, disse Caio Borges, do Instituto Clima e Sociedade do Brasil, ao Climate Home News.

    Sob o acordo de Paris de 2015 e o Pacto de Glasgow do ano passado, espera-se que os países reforcem progressivamente suas metas climáticas.

    O ministro do Meio Ambiente do Brasil, Joaquim Leite, anunciou a meta de 50% durante as negociações climáticas da Cop26 em novembro passado. Um documento confirmando isso foi apresentado à ONU após uma visita pelo presidente da Cop26, Alok Sharma, no final de março.

    O Brasil está sob pressão para intensificar seu plano climático depois que uma primeira atualização de sua meta para 2030 em dezembro de 2020 enfraqueceu efetivamente a ambição do país.

    Na época, o Brasil confirmou a meta anteriormente indicativa de reduzir as emissões em 43% até 2030, ao mesmo tempo em que inflacionou a linha de base de emissões para 2005. A linha de base mais alta, em grande parte devido a mudanças na forma como a destruição florestal foi contabilizada, significava que o Brasil poderia continuar a aumentar suas emissões enquanto ainda atinge sua meta de 2030.

    O Climate Action Tracker rebaixou a pontuação do Brasil de “insuficiente” para “altamente insuficiente” para cumprir as metas de Paris.

    Source: Observatório do Clima

    “O novo alvo é uma tentativa fracassada do governo Bolsonaro de consertar a bagunça”, disse o Observatório Brasileiro do Clima, uma coalizão de ONGs, em comunicado.

    Embora aumente a meta nominal para 50% de cortes de emissões, o plano utiliza o inventário de emissões mais recente e preciso para 2005, que é inferior ao utilizado em 2020, mas superior ao de 2015.

    Embora seja uma melhoria na atualização de 2020, isso ainda permitiria que as emissões do Brasil superassem a meta estabelecida em 2016.

    “É como ter uma dívida no cartão de crédito e pagar apenas parte da conta”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Ainda é um retrocesso, em um momento em que as Nações Unidas pedem aos países que aumentem suas ambições.”

    Para corresponder ao nível de ambição do plano brasileiro de 2016, levando em conta a última atualização do inventário do país, seria necessário um compromisso de reduzir as emissões em 49% até 2025 e 53% até 2030, segundo a análise do Instituto Talanoa.

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    As promessas setoriais feitas na Cop26 para reduzir as emissões de metano e atingir o desmatamento zero até 2030 não estão refletidas no plano atualizado e a sociedade civil não foi consultada.

    O governo brasileiro argumenta que a mesma modificação metodológica que aumentou a linha de base de 2005 também poderia aumentar o volume de emissões em 2030. Mas “uma interpretação legal sistemática do Acordo de Paris revela que nada no acordo indica que um país pode retroceder em sua ambição”, disse Borges.

    A atualização do plano climático do Brasil ocorre em um momento em que o desmatamento está aumentando e o governo está planejando uma expansão da exploração de petróleo e gás em todo o país – encorajada por sanções internacionais à Rússia e pela demanda por fontes alternativas.

    “O Brasil está abrindo novas fronteiras de petróleo, como a exploração onshore na Amazônia e offshore na foz do rio”, onde pode levar uma década para a produção começar, disse Ilan Zugman, diretor administrativo da América Latina da 350.org, ao Climate Home.

    Na quarta-feira, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) abriu o leilão de 379 áreas de exploração de petróleo e gás, contra a oposição de comunidades pesqueiras locais e indígenas.

    O leilão está ocorrendo além de um processo de licitação permanente para 1.068 blocos de perfuração cobrindo 462.500 quilômetros quadrados – uma área 15 vezes maior que a Bélgica.


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    Giselle Wagner é formada em jornalismo pela Universidade Santa Úrsula. Trabalhou como estagiária na rádio Rio de Janeiro. Depois, foi editora chefe do Notícia da Manhã, onde cobria assuntos voltados à política brasileira.