O Supremo Tribunal Federal autorizou a Polícia Federal a investigar Ricardo Salles por suspeita de um ‘esquema grave’ para facilitar a exportação de madeira ilegal para fora do Brasil

    O Supremo Tribunal Federal ordenou que a polícia investigue se o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, encobriu criminosos que desmatam a Amazônia.

    O tribunal disse suspeitar da existência de um “esquema grave” para facilitar a exportação de produtos florestais ilegais.

    O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, está sob pressão para demitir seu aliado ideológico enquanto ele está atrás nas pesquisas antes das eleições do próximo ano.

    Como líder do Brasil nas negociações internacionais sobre o clima, Salles tem sido uma presença disruptiva e, às vezes, uma barreira para o progresso nas negociações, disseram ativistas e analistas ao Climate Home News.

    “Bolsonaro se comporta como um trator que quer enfraquecer e destruir leis e florestas. E Salles é seu melhor capataz, atuando como uma motosserra que reduz as regras ambientais e abre a Amazônia para que atividades destrutivas ocorram sem o devido controle”, disse Carlos Rittl, ex-diretor da ONG Climate Observatory, com sede no Brasil, ao Climate Home.

    Na proteção da Amazônia negociações, EUA exigem ação de Bolsonaro

    De acordo com a revista brasileira Veja, os eventos que levaram à decisão da Suprema Corte da semana passada começaram em janeiro de 2020, quando o serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA (FWS) apreendeu três contêineres de madeira brasileira sem documentos em Savannah, Geórgia.

    A FWS pediu aos seus homólogos brasileiros do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(Ibama) que confirmassem que o embarque era legal.

    O escritório do Ibama em Belém respondeu dizendo que o exportador não estava autorizado e que informações falsas haviam sido inseridas no sistema oficial de controle.

    Um mês depois, a FWS recebeu mais informações do escritório do Ibama no Pará contrariando a filial de Belém, dizendo que a madeira era de origem legal e deveria ser liberada para venda.

    Para chegar ao fundo disso, o agente do FWS Bryan Landry se reuniu com funcionários da embaixada dos EUA em Brasília e com o presidente do Ibama, Eduardo Bim, em 21 de fevereiro de 2020.

    Eduardo Bim foi suspenso pelo STF (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

    Quatro dias após a reunião, Bim decretou que as licenças de exportação de madeira não eram mais necessárias, supostamente contrariando as recomendações de seus assessores e tornando mais fácil para madeireiros ilegais enviar madeira para fora do país.

    Segundo a Veja, o funcionário dos EUA Landry enviou uma carta às autoridades brasileiras levantando “preocupações sobre possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto” por parte de funcionários públicos brasileiros ou representantes do negócio de importação de madeira dos EUA.

    Alemanha lança fundo de biodiversidade de US$ 1 bilhão depois que o mundo falha metas

    O incidente levou a uma investigação policial sobre a origem da madeira apreendida pelos EUA. Em novembro de 2020, batidas policiais em todo o estado do Pará apreenderam um recorde de 200 mil metros cúbicos de madeira extraída ilegalmente – o suficiente para encher 90 piscinas olímpicas, no valor de 129 milhões de reais (US$ 24 milhões).

    Em ofício ao STF, Alexandre Saraiva, então superintendente da Polícia Federal no Amazonas, acusou o ministro Salles de ter feito “uma parceria” com o setor madeireiro e o senador Telmário Mota, do estado de Roraima, “em uma tentativa de obstruir a investigação de crimes ambientais”.

    Saraiva escreveu que Salles e Mota defenderam repetidamente madeireiros e trabalharam para desacreditar as investigações policiais em declarações à imprensa e nas redes sociais. Ele acusou Salles de ser “preconceituoso” e “comportar-se como um verdadeiro defensor da causa madeireira (uma contradição com a função pública que exerce)”.

    Saraiva instou o STF a investigar Salles, Bim e Mota. Ele foi rebaixado no dia seguinte, embora a polícia diga que os dois eventos não estão relacionados.

    GP03TXD Web size

    Um pátio de madeira e uma doca na Amazônia. Não há nenhuma sugestão de criminalidade por aqueles retratados. (Foto: Daniel Beltra/Greenpeace)

    Na semana passada, o STF autorizou a polícia federal a investigar Salles e outros funcionários públicos, e ordenou que o Ibama restabeleça as licenças de exportação de madeira.

    A polícia vasculhou os registros bancários e fiscais de Salles e descobriu “transações suspeitas”, incluindo um “movimento extremamente atípico” de R14 milhões (US$ 2,6 milhões) envolvendo o escritório de advocacia de Salles, de acordo com relatos da mídia local.

    No entanto, Salles não entregou seu celular à polícia, apesar de uma ordem judicial o obrigar a fazê-lo. A sonda está em andamento.

    Salles negou qualquer irregularidade, dizendo que a investigação foi “desnecessária” e “exagerada”.

    Salles Instagram

    Este post do Instagram foi incluído no documento da Saraiva. Diz que todo o setor madeireiro não deve ser demonizado. (Foto: Ricardo Salles/Instagram)

    Salles não demonstrou intenção de renunciar ao cargo e impeachments ministeriais são raros no Brasil.

    Rittl disse ao Climate Home: “Salles só perderá o emprego se mantê-lo como ministro custar votos a Bolsonaro na eleição presidencial do próximo ano”. Mas até agora, o presidente brasileiro tem defendido seu ministro do Meio Ambiente, criticando seus promotores como “xiitas ambientais (radicais)”.

    No entanto, Bolsonaro está perdendo nas pesquisas para o esquerdista Lula Inácio da Silva e observadores políticos dizem que ele pode não estar disposto a gastar capital político para proteger seu ministro do Meio Ambiente.

    Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente do Brasil, disse ao Climate Home que se a investigação “deixar claro que o governo está envolvido em corrupção, Salles será substituído”.

    Mas sua saída não deve inaugurar uma nova era para a política ambiental no Brasil, disse Caio Mota, porta-voz da associação indígena APIB. Salles “está agindo sob a orientação do governo”, disse ele.

    Quer mais notícias sobre o clima? Inscreva-se para receber atualizações diretamente na sua caixa de entrada

    O resultado da investigação pode ter repercussões mais amplas nas negociações entre Brasil e EUA sobre financiamento para proteger a Amazônia.

    Nas negociações com seu colega norte-americano, Salles adotou uma linha dura tentando espremer o financiamento máximo para garantias mínimas de proteção ambiental.

    Ativistas ambientais pediram ao governo dos EUA que não negocie com o governo Bolsonaro – um pedido que eles repetiram à luz das acusações contra Salles.

    Claudio Angelo, do Observatório do Clima, destacou que Salles foi acusado de ajudar organizações criminosas a tentar enganar as autoridades norte-americanas.

    “Nenhuma quantidade de pragmatismo climático por parte [US climate envoy John] Kerry poderia justificar a negociação com alguém que poderia estar ofendendo o próprio governo de Kerry”, disse ele ao Climate Home.

    Amazon deforestation1

    O desmatamento da Amazônia aumentou desde que Bolsonaro e Salles chegaram ao poder em 2018.

    Questionado se as negociações com o Brasil continuariam, um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA disse ao Climate Home que eles não comentaram as investigações em andamento.

    “Temos confiança nas instituições democráticas brasileiras e reconhecemos e respeitamos a soberania do Brasil em lidar com os desafios ambientais”, disseram eles, acrescentando que o departamento “olhar[s] ansiosos para continuar trabalhando em conjunto com o Brasil”.

    Com Resposta da Indonésia a Elon Musk na prisão, veículos elétricos não vão a lugar nenhum

    Liderada por Salles, a equipe de negociação climática do Brasil bloqueou o progresso nas negociações para estabelecer regras comuns para os mercados de carbono na última conferência climática da ONU em Madri, Espanha, em 2019, recusando disposições que impediriam a dupla contagem de reduções de emissões.

    O professor de economia Ronaldo Seroa Da Motta, que acompanha de perto as negociações, disse ao Climate Home que as acusações contra Salles podem levar os negociadores da Cop26 a buscar outro interlocutor na seleção brasileira.

    A posição brasileira nos mercados de carbono reflete as tensões entre o Ministério do Meio Ambiente, que mostrou disposição para se comprometer em troca de financiamento concessional para reduzir as emissões, e a postura mais dura do Ministério das Relações Exteriores contra regras contra dupla contagem, disse Da Motta.

    As alegações contra Salles são uma chance para o Ministério das Relações Exteriores recuperar o controle do processo, potencialmente impedindo o progresso de um acordo, acrescentou.


    Avatar de Giselle Wagner

    Giselle Wagner é formada em jornalismo pela Universidade Santa Úrsula. Trabalhou como estagiária na rádio Rio de Janeiro. Depois, foi editora chefe do Notícia da Manhã, onde cobria assuntos voltados à política brasileira.